quinta-feira, 23 de julho de 2009

Sobre a repórter Eliane Brum

Do Novo em Folha:

Apesar de se dizer briguenta, Eliane Brum, repórter especial da "Época", fala baixinho, bem devagar, com a voz frágil.

E ela começou a palestra sobre a "extraordinária vida comum", no Congresso da Abraji, dizendo que o repórter deveria ir à rua em busca da fragilidade e da delicadeza dos outros.

Para ilustrar sua posição, a repórter leu, para uma sala sem lugares vazios, um monte de crônicas e reportagens que escreveu desde os tempos de "Zero Hora". Falou, por exemplo, da incrível galinha detida em atitude suspeita.

Permeando essas histórias, ela soltou alguns pensamentos que achei muito interessantes e anotei para compartilhar com vocês:

* Nós, jornalistas, construimos um documento diário, um relato da nossa vida contemporânea, da nossa sociedade. Se fazemos de forma mal feita, preguiçosa, reduzimos nosso lugar no mundo e, de forma criminosa, deixamos para a posteridade uma história distante da realidade.

* Nós reproduzimos uma das visões de mundo, uma das verdades. Determinamos quem deve ser visto e quem não deve. Com isso, a mídia, através de nós, mantém desigualdades. Não podemos ser ingênuos.

* Um repórter deve aprender a olhar e a escutar. Inclusive os "desacontecimentos" e os anônimos.

* Cada vez mais se faz matéria por telefone ou e-mail. É preciso resistir à pressão do chefe. Ir para a rua é a melhor coisa para um repórter.

* O real é complexo e temos a obrigação de reproduzir essa complexidade, com todas as suas palavras – mas também com os gestos, os silêncios, os cheiros, as cores, as texturas. Se entrevistamos por telefone, podemos reproduzir só as palavras, só as aspas. Com isso, reduzimos o mundo.

* É preciso anotar tudo o que está acontecendo durante a entrevista – não só as palavras – para reconstruir toda a complexidade depois. As pessoas falam também com o corpo.

* Mais importante que saber perguntar é saber escutar a resposta. O pior repórter é o que termina a frase pela pessoa, interrompe para completar ou porque acha que a pessoa não está dizendo o que ele quer ouvir. "Tenho aprendido a perguntar cada vez menos e ouvir cada vez mais." A pergunta já impõe nossa narrativa, dá uma linha. Temos que deixar a pessoa começar pelo que ela acha que é o começo e deixar contar o que quer contar.

* É preciso respeitar a palavra exata. A escolha que o entrevistado faz de cada palavra já é, por si só, informação importante.

* O espanto é o melhor da nossa profissão. "Sou pautada pela obrigação de olhar e estar aberta para o espanto."

* Nunca resistam a rodinhas de pessoas. Cheguem lá pra ver de que se trata. Deve ser pauta.

* Repórter não pode nem ser blasé, nem burocrático. Na rua, quem manda no repórter é ele mesmo.

* É preciso saber brigar e argumentar com o editor.

* Para escrever um texto prazeroso, não basta vomitar palavras. É preciso apurar, cuidar da precisão, da mesma forma que em qualquer texto jornalístico. Para escrever "fazia sol", ela entrevistou cinco pessoas, pedindo que descrevessem o tempo na hora do acontecimento, e ainda consultou três meteorologistas.

* Converse com o fotógrafo que te acompanha na pauta, troque idéias, acompanhe até o fim o trabalho dele.

* Temos a obrigação de proteger nossos entrevistados. A maioria não tem noção de como a vida vai mudar depois que a matéria for publicada.

* É bom já chegar com o bloquinho, ser o mais transparente possível durante as entrevistas, e gravar todas as conversas.

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"Fui tomada pela perplexidade quando a repórter especial Eliane Brum, da revista "Época", começou sua palestra no congresso da Abraji. Em meio a palestrantes-jornalistas sempre 'tensos', dominados pelo entusiasmo de grandes investigações e furos nacionais de reportagem, Eliane parecia vir de outro planeta.

Ela conduziu a palestra 'Jornalismo sobre a extraordinária vida comum' lendo, em voz suave e interpretada, histórias de personagens que havia conhecido em sua carreira. Entre uma leitura e outra, lembrava da importância de procurar entender, como repórter, o que dá sentido à vida das pessoas – e colocar isso no papel.

Eliane Brum, definitivamente, tem uma relação diferente com o jornalismo, distante das obsessões dos furos e dos grandes temas nacionais. Ela encara a profissão como uma missão: para ela, ser repórter é um jeito de estar no mundo, e empobrecê-lo é criminoso.

O mais interessante é que não são posturas inconciliáveis com o hard news: saber tratar temas com profundidade, saber ouvir, ter responsabilidade com o que escrevemos é comum (ou deveria ser) tanto a jornalistas como Eliane Brum quanto àquele que cobre o buraco da rua tal."

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